domingo, 27 de julho de 2008

17º Domingo do Tempo Comum – 27 de julho de 2008

O sonho do Reino de Deus

A primeira Leitura (1Rs 3,5.7-12) da liturgia deste domingo quer nos ensinar que o poder deve estar a serviço do povo. Por volta de 971 a.C., o rei Salomão herdou de seu pai Davi um grande império, para administrar sabiamente. Em sua generosidade, Javé lhe permite pedir o que quiser. Em seu diálogo com Deus, Salomão reconhece que, em suas limitações e incapacidades, não sabe governar. O rei tinha três funções importantes: governar – sendo responsável pelo bom uso dos bens públicos em vista do bem-estar de todos; julgar – promovendo a justiça sem discriminações ou privilégios; ter bom senso e discernimento, fazendo bom uso do poder, em benefício de todos. Em sua relação com Deus, cabe ao rei uma atitude de servo, fazendo Sua vontade. Em relação ao povo cabe-lhe cuidar, pois este pertence a Deus.

Com a humildade de um servo, Salomão pede a Deus um coração compreensivo e sabedoria para bem governar. Há coisas que nem se pode pedir a Deus, mas isto certamente Deus pode oferecer. Assim também somos nós, só podemos oferecer o que temos em abundância. Quando não conhecemos a Deus, acabamos por pedir o que Ele não pode nos dar, e nossas orações podem não ser atendidas.

Embora a Sagrada Escritura nos revele que, posteriormente, sua administração tenha se pervertido, a atitude de Salomão é digna de admiração. Antes de começar a caminhar precisamos reconhecer em Deus um companheiro de caminhada. Pervertido pelo poder, a administração de Salomão não foi um bom exemplo, mas um vírus que passou a seus sucessores e culminou com a desgraça do exílio. Situando a oração de Salomão no inicio de seu reinado, a Sagrada Escritura quer nos fazer uma advertência: embora as intenções iniciais sejam boas, a febre do poder pode nos impedir de agir conforme a vontade de Deus. Na verdade, tudo o que pedimos a Deus recebemos em forma de semente, que precisa ser cultivada em nossa vida, se pretendemos colher bons frutos.

No Evangelho (Mt 13,44-52), com as parábolas do tesouro escondido e da pérola preciosa, Jesus focaliza o tema da opção radical pelo Reino de Deus, diante do qual vale a pena arriscar tudo, pois é o único valor absoluto. O texto quer mostrar que a alegria de quem dedica sua vida pela causa do Reino deve ser igual à alegria de quem encontra um tesouro valioso. Tudo o mais se torna relativo, em vista do Reino. Imaginemos como seja a reação de quem encontra um tesouro! Assim deve ser o estado de ânimo de quem descobre que o caminho do amor-serviço é o único capaz de fazer surgir uma sociedade mais justa e fraterna.

Embora seja um tesouro precioso, o Reino de Deus está ao nosso alcance, basta acolhê-lo. Quem o acolhe se torna companheiro de Deus e coloca acima de tudo em sua vida a prática da justiça e do amor, ‘vendendo’ tudo o mais. Quando encontramos algo de maior valor para nós, facilmente abrimos mão daquilo que parecia sagrado. As vezes nos parece impossível deixar de lado certas práticas, mas quando sentimos a imensa satisfação em praticar o bem, mudamos de idéia. Embora as parábolas tenham um sentido mercadológico, não podemos pensar que o Reino seja uma negociação financeira. A mensagem central quer nos mostrar que nada faz falta a quem descobriu o sentido e o valor da luta pela justiça.

Por sua vez, a parábola da rede lançada ao mar dá continuidade ao tema da parábola do joio no meio do trigo (liturgia do domingo passado) e tem sabor de escatologia final. Embora na sociedade convivem lado a lado “peixes bons” e “peixes ruins”, não cabe a nós julgar. Deus, em sua misericórdia, fará a ‘separação final’. O texto sugere que são úteis ao Reino apenas os ‘peixes bons’, isto é, aquelas pessoas que se dedicam em praticar a vontade de Deus. Assim, somos chamados ao discernimento, compreendendo a mensagem do Reino e dando continuidade à prática de Jesus que o torna possível.

Por fim, ao falar do mestre da lei que se torna seu discípulo, Jesus nos mostra que sua novidade não precisa necessariamente eliminar aquilo que a Escritura cultiva como preciosidade. O tesouro da salvação contém preciosas experiências de fé, feitas pelo povo de Deus, que nos ajudam a ser autênticos cristãos. Podemos também entender a comparação de Jesus com a necessidade que temos de adaptar a mensagem salvífica às novas situações e desafios que nos cercam.

No texto da II Leitura (Rm 8,28-30) deste domingo, Paulo manifesta a certeza de que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, isto é, aqueles que acolhem Seu projeto e procuram viver de acordo com a Sua vontade. Ele sabe que o Deus de amor cria a todos para a glória e não para o fracasso. A fragilidade humana não é mais forte do que o amor de Deus, revelado abundantemente em Jesus. Somos verdadeiramente filhos de Deus quando conformamos (sintonizamos) nossa vida à de Jesus, o primogênito de uma sociedade fraterna que tem um só Pai, Deus. Movido por sua infinita misericórdia, o próprio Deus conduz a vida daqueles que intentam viver como seus filhos. Cabe ao cristão deixar-se guiar por esse Pai que deseja a todos salvar. Nesse caminho nos tornamos companheiros seus na edificação de Seu Reino de Amor.

Podemos dizer, a partir da liturgia deste domingo, que o Reino é uma aspiração divina e humana. A Sagrada Escritura nos revela que é da vontade de Deus um mundo mais justo e fraterno, onde todos tenham vida em abundância. Em sintonia com a vontade divina, cada cristão é chamado a viver sua fé na prática do bem, tornando realidade ao sonho de Deus e de toda pessoa de boa vontade. Nessa caminhada, o poder e a riqueza, mal utilizados, podem se tornar empecilhos para o Reino de Deus. Daí a importância de, humildemente, pedir a Deus sabedoria e um coração compreensivo, para agir conforme Sua vontade.
Abraço fraterno, e que Deus abençoe a todas as famílias.
(j.z)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Palavra de Deus, palavras de vida!

Palavra de Deus, Palavras de Vida!

O espaço que a Palavra de Deus ocupa em nossa vida de cristãos reflete a profundeza de nossa fé e a intensidade com que buscamos o mais precioso alimento para essa mesma fé. Regando nossa vida com Sua palavra, Deus cuida de nós como um dedicado jardineiro que dá a própria vida pelo seu jardim. Em Suas palavras encontramos alento para os dias mais difíceis, fortaleza nos momentos de fraqueza, coragem no desânimo, consolo na dor, orientação na incerteza, luz nas escuridões da vida. Se a buscamos, como peregrinos, é porque fazemos coro com o apóstolo que diz “a quem nós iremos, Senhor, só tu tens palavras de vida”.

Sempre atual, a Palavra de Deus não deixa de ser expressão de um povo, de uma época, de uma realidade própria. Aí se explicam as dificuldades que muitas vezes encontramos no texto. Sem um pouco de consciência crítica podemos desvirtuar a preciosa mensagem que ela contém para os dias de hoje. É preciso reconhecer que, embora mudam os tempos, mudam as pessoas, mudam as realidades e circunstâncias, a mensagem de Deus a seus filhos continua sempre atual. Certamente em dois mil anos as comunidades destinatárias da Palavra de Deus mudaram muito, no entanto, as dificuldades para se viver a fé continuam, embora tomam sempre novas configurações. Se, por exemplo, João escreve o Apocalipse na tentativa de animar e fortalecer a comunidade diante das perseguições sofridas, hoje esse mesmo texto bíblico pode nos animar e fortalecer diante de outras “perseguições”, ou fortalecer aqueles a quem nós perseguimos.

Embora muitas vezes usamos a Bíblia para fundamentar certas atitudes ou até justificar injustiças, a Palavra de Deus tem como destinatários preferenciais aqueles mesmos que eram os preferidos de Jesus, os mais necessitados. Muitas nações e muitos poderes opressores já buscaram justificação bíblica para ações claramente anti-cristãs. E uma leitura séria da Bíblia não abre espaço algum para tais fundamentações. O povo da Bíblia é um povo oprimido, em sua longa e árdua caminhada em busca de libertação. No agir de Deus, desde o envio de Abraão até o envio do Espírito Santo, em Pentecostes, percebemos um Deus empenhado em salvar os seus, principalmente aqueles que precisam de salvação e que se abrem para acolher a salvação que Ele oferece. A Bíblia é isso, expressão de fé de um povo que reconhece Deus agindo em sua história, sendo fiel a seu plano de salvação.

É sempre mais nosso desejo que a Palavra de Deus seja acolhida, compreendida e vivida por cada cristão. Assim como a terra não produz frutos sem acolher a semente, em nossa vida não produziremos os frutos que Deus espera de nós se não soubermos acolher e deixar germinar em nós essa semente de vida que é sua Palavra. Se nosso agir é sempre expressão daquilo que guardamos em nosso coração, sejamos, então, capazes de acolher essa Palavra de Deus para que nosso viver seja, a exemplo das grandes testemunhas da Igreja, agradável a Deus. Em nosso caminhar, em nossa vida, seja a Palavra de Deus lâmpada para nossos pés e luz para nossos caminhos. Então, nesse caminhar, estaremos edificando o Reino de Deus, um mundo de paz e fraternidade.
(j.z)

domingo, 15 de junho de 2008

Liturgia 15 de junho – 11º Domingo do Tempo Comum


I leitura (Ex 19,2-6a): Um povo comprometido com seu Deus

O deserto é a etapa intermediária entre o Egito (escravidão) e a terra prometida (liberdade). É onde nasce a aliança entre Deus e seu povo. É selado um compromisso mutuo. A aliança tem como pano de fundo a memória das ações de Deus, que resgata o povo das garras da opressão e o atrai para si, para que seja propriedade sua. Por parte do povo, cabe escutar a voz de Deus e ser fiel à aliança. Assim a aliança se concretiza. Após um olhar retrospectivo, Deus faz seu povo olhar para frente, e dedicar-se para ser um povo santo, consagrado a Deus, isto é, comprometido com o projeto de Deus (revelado posteriormente por Jesus).


Evangelho (Mt 9,36-10,8): A missão do povo de Deus

Inicialmente Jesus constata que o povo carece de lideranças e está abandonado, à mercê da ganância dos poderosos. Jesus tem compaixão, um sentimento que vem sempre acompanhado de gestos concretos. Para isso chama colaboradores, que vão atuar junto ao povo, libertando, fazendo o Reino acontecer. Aí nasce a missão dos discípulos de Jesus (nossa também), chamados a praticar a justiça, transformando as situações de dor e sofrimento em sinais de vida nova. Curar, purificar, ressuscitar, expulsar demônios, são atitudes que revelam a libertação de todo tipo de alienação. A missão dos discípulos de Jesus é, pois, continuação da prática libertadora de Jesus.

O nome dos doze apóstolos não representa um grupo fechado, mas recorda as 12 tribos de Israel e é símbolo de totalidade. Significa, assim, que todos são chamados e enviados à missão. Aos que aceitam e desejam seguir Jesus é necessário mais do que boa vontade. É fundamental acolher e viver a novidade do Reino que se vai anunciar. A missão não discrimina, mas tem prioridades, as ovelhas perdidas, isto é, aqueles que se encontram em situação de escravidão e sofrimento.

Anunciar a proximidade do Reino é mostrá-lo presente em Jesus, que realiza plenamente a vontade de Deus. Sua prática já revela a presença do novo, onde se desfaz toda maldade e se realiza todo amor. Esse Reino se concretiza em relações de fraternidade, justiça e gratuidade.


II Leitura (Rm 5,6-11): Jesus deu sua vida para nos salvar

Jesus dá sua vida para nos salvar. Paulo reconhece nessa atitude a expressão maior do amor de Deus por nós. Dessa forma, a salvação é graça plena de Deus, e não merecimento nosso. Basta-nos crer em Jesus, aceitando e comprometendo-se com seu projeto de vida. A certeza do amor de Deus nos anima na esperança e nos encoraja no compromisso com um mundo mais justo e solidário, como é da vontade de Deus. Em Jesus, Deus nos dá o exemplo supremo do amor. O cristão é, assim, chamado a viver relações de fraternidade e gratuidade, continuando a missão iniciada por Jesus.
(j.z)

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Sacramento da Confissão, um passo para a conversão!

Há uma harmonia muito importante entre os sacramentos, e ao mesmo tempo há um valor particular imprescindível em cada um deles. Não se pode submeter um sacramento ao outro, visto que cada um tem uma finalidade especifica e marca um momento único em nossa relação com Deus. Em todos, no entanto, é necessária a fé como condição básica. Gosto de falar dos sacramentos como encontro com Deus, onde há alguém que busca (nós) e Alguém (Deus) que nos inunda com Sua graça. Vamos conversar um pouco sobre o Sacramento da Confissão.

É perceptível como, em nosso tempo, o Sacramento da Confissão está relativizado. Por duas razões: por um lado é clara a falta de consciência de pecado em nós, o que nos faz não buscar a confissão; por outro lado há uma busca desenfreada pela confissão, sem critérios. Ambas situações são problemáticas e preocupantes, e refletem uma fé um tanto fragilizada. Quando penso não ser necessário confessar meus pecados ao sacerdote para ser perdoado por Deus talvez me falte um conhecimento do que realmente implica o ato de expressar meus pecados a quem foi instituído para ouvi-lo e dizer-me palavras de conforto. Ou talvez acredite nem ter necessidade de tão nobres palavras, tamanha a insignificância dos pecados.

Muitas vezes, também, supervalorizamos a confissão dos pecados, caindo em um outro extremo: qualquer coisa é pecado e motivo suficiente para buscar a confissão individual. Mais preocupante ainda quando quase semanalmente buscamos a confissão, para confessar os mesmos pecados. A confissão, assim, não produz mudança. Perde, assim, seu sentido fundamental, a conversão. Condição para ser perdoado por Deus é o arrependimento. Mas são tantos os que sequer demonstram arrependimento no ato da confissão!

Uma verdadeira confissão precisa respeitar alguns critérios, sob o risco de não passar de um ritualismo vazio, à moda das práticas farisaicas tão criticadas por Jesus. O que realmente me perturba e me impele a buscar esse sacramento? Consciente disso, devo fazer meu exame de consciência, que me faz reconhecer onde eu errei e o que eu preciso mudar, tendo sempre presente que o pecado é um ato de maldade, praticado consciente e livremente contra o próximo ou contra si mesmo, e que, por isso, ofende a Deus. Um bom exame de consciência já é meio caminho dado, basta agora a humildade para confessar meus pecados e acolher as orientações recebidas, que certamente me ajudarão a buscar a conversão, isto é, a mudança que pretendo.

A confissão não existe para, simplesmente, me dar o ‘direito’ de comungar dignamente. Embora minha participação na Eucaristia implique um profundo desejo de conversão, a confissão não é um meio para a comunhão, mas um passo para a conversão. E esta só acontece após o encontro com Jesus. Jesus não chama para si os ‘dignos’, mas os pecadores desejosos de conversão. Na confissão, assim como nos demais sacramentos, o compromisso é o mais importante. As palavras vai em paz e não peques mais supõem uma luta para superar todo pecado, buscando viver sintonizado com os ensinamentos de Jesus. O perdão, como expressão da misericórdia de Deus, me compromete a também perdoar e a amar mais. Ora, com mais amor em minha vida, menos pecados cometerei, pois só existe pecado onde se rejeitou o amor.

Sejamos, pois, capazes de dar o devido valor a esse tão precioso Sacramento da Confissão, buscando-o como nos orienta a Igreja, pelo menos uma vez por ano, ou em caso de necessidade urgente. Sabendo sempre distinguir confissão e aconselhamento espiritual. E que Deus nos dê sempre a força necessária para empreender uma autêntica caminhada de conversão, reconhecendo aí o caminho da salvação.
(j.z)

terça-feira, 3 de junho de 2008

O vazio de sentido e a busca por re-significação!*

No momento atual da sociedade, o mercado começa a tomar corpo violentamente, perpassando todas as dimensões da pessoa humana. Ele perverte, assim, todas as possibilidades que haviam no ser humano, criadas para que ele pudesse verificar o vazio que está constantemente presente em sua raiz. O ser humano é constituído de um vazio que jamais será preenchido plenamente. No entanto, o mercado vende um ‘produto’ que parece exato para superar esse vazio. O ser humano, na ânsia por uma realização e superação desse vazio, se mobiliza violentamente atrás desse produto, muito bem vendido pelo discurso, pela propaganda, pela idealização da mídia. As possibilidades humanas, esquecidas atualmente, nunca prometeram um preenchimento total do vazio humano. Propunham, sim, dar um significado a esse vazio.

No âmbito religioso, com a teologia da prosperidade, também há uma tentativa de se preencher todo vazio humano. Pretende-se, assim, retirar do ser humano algo importante dele, sua angústia. Quando a psicanálise coloca que há no ser humano um vazio, um desejo, uma busca por um objeto para re-significar seu viver, mostra também que não há jeito de ser vencido, preenchido, completado, mas re-significado. Fica-nos uma questão importante para a sociedade de hoje. O que fazer com a vida religiosa, o que fazer com as instâncias de educação, com os ideais políticos, de democracia, de participação, de direitos humanos? As dimensões ética e religiosa têm cada vez menos espaço hoje. A vida religiosa tem sentido? O político, o filosófico, tem sentido? A verdade é que a vida religiosa, que foi construída sobre pilares hoje esquecidos, está agonizando. Das Congregações que já foram criadas, 70% já não existem mais. Isso nos diz alguma coisa? Talvez nos aponta para a urgente necessidade de reinventar constantemente o ‘ser religioso’.

E a família, ou a concepção tradicional de família, ainda tem sentido hoje? Como ‘afrontar’ os apelos de um mercado que propõe piamente um ‘preenchimento’ para todo vazio humano? Como a Vida Religiosa pode ainda ser uma opção dos jovens diante de tantas propagandas desenfreadas de promessa de ‘felicidade’ e ‘realização plena’? O ‘produto exato’, milagroso, que promete acabar com o vazio humano, gera um vazio maior ainda: a depressão, a decepção e o sofrimento. Desejo é algo que se procura a vida inteira, é uma busca constante. No entanto, o mercado pós-moderno oferece um ‘gozo’, uma satisfação completa, uma realização, muito mais do que apenas uma promessa de satisfação. Esse ‘gozo completo’, porém, é impossível. Então, a decepção e o sofrimento são conseqüências naturais. Essas ‘possibilidades’ de se viver plenamente um gozo se apresentam freqüentemente, até mesmo nos ambientes de trabalho.

Cabe perguntar-se: vivemos em busca de um gozo ou de um desejo? A busca por uma realização total, plena, será sempre em vão. Ao buscar desenfreadamente um ‘gozo’, o ser humano se dá conta que perde seu tempo, o que o joga em uma situação de sofrimento e decepção. Um sujeito frustrado, decepcionado, pensa sempre que ‘perdeu seu tempo’, visto que anseia sempre por uma satisfação total de suas buscas, o que sabemos ser impossível ao ser humano. Isso ocorre também no casamento. Enquanto o sujeito não se dá conta que a noite de núpcias não é o casamento em si, sua decepção será certa. Dar-se-á conta de que terá de viver um calvário pelo resto da vida. A angústia, própria do ser humano, não pode ser algo que deprime, mas uma força que o faça buscar continuamente, ciente de que não há saída, mas há caminhos a serem trilhados. A busca do narcisista é um sacrifício inútil por buscar em si mesmo aquilo que jamais encontrará: a realização, o ‘gozo pleno’, completo. Todos somos chamados a viver na busca de caminhos voltados para a realidade transcendente, sabendo sempre que nela não encontramos a satisfação plena, o ‘gozo total’, o preenchimento completo do vazio existencial, mas poderemos encontrar uma re-significação, um sentido para as buscas, para a caminhada, para a própria vida.
(j.z)

* Síntese a partir de uma exposição do prof. Willian César – PUC-BH

domingo, 1 de junho de 2008

Liturgia 01.06.08

Bênção ou maldição, prudência ou insensatez

A passagem da primeira leitura (Dt 11,18.26-28.32) é parte do discurso de Moisés, que apresenta o “fundamento da Aliança” e serve de introdução-preparação para o “Código deuteronômico”, o projeto de nova sociedade, que se pretende instaurar na “terra prometida”. Colocar no coração (na consciência) e na alma (o mais profundo do ser) as palavras de Deus é permitir que elas iluminem nossos projetos (testa, olhos) e a execução deles (mãos). Os judeus fundamentalistas tomaram isso ao pé da letra, amarrando trechos da Escritura nas mãos, o que Jesus critica severamente como exibicionismo estéril.
Caberá ao povo zelar pela terra prometida, que Deus dá como cumprimento da promessa feita a Abraão. Mas para isso, o povo precisa acolher e viver os ensinamentos de Deus. O discurso fala de bênçãos e maldições. Bênção é vida, posse da terra, fecundidade do solo, bem-estar. Maldição é o oposto, perda da terra e suas conseqüências (isso foi o que aconteceu). A bênção é resultado da fidelidade aos mandamentos; e a maldição decorre da desobediência a Javé e adesão aos ídolos. Movido por seu grande amor, Deus nos dá liberdade para discernir e agir buscando a bênção ou a maldição. Certamente Ele deseja que sejamos sensatos e optemos pelo caminho da vida (benção), nos alertando sempre para os perigos de uma escolha errada.

No Evangelho (Mt 7,21-27) percebemos que, com Jesus, chegou o Reino, isto é, a justiça que liberta. Quando o Evangelho de Mateus foi escrito (depois do ano 80), havia desleixo e decepção nas comunidades cristãs, gerado pela demora da segunda vinda do Senhor. Sem falar em data, a passagem recorda que haverá um dia de prestação de contas. O texto tem sabor escatológico, comparado ao “juízo final” ou “julgamento das nações” (Mt 25,31). Jesus deixa claro que de nada adianta reconhecê-lo e chamá-lo de “Senhor” se essa profissão de fé não for acompanhada e fecundada pelo cumprimento da vontade do Pai. Dizer “Senhor, Senhor” é talvez a mais sólida profissão de fé bíblica. Mas não bastam palavras solenes e profissões de fé profundas. O que definitivamente nos torna participantes do Reino é o cumprimento da vontade do Pai. Mas em que consiste essa vontade? Segundo a oração do pai-nosso, a vontade de Deus é a implantação do Reino que, para Mateus, se concretiza na prática da justiça.
Aquilo que Paulo já criticara nos Coríntios, o dom da profecia, Mateus também questiona: a profecia desligada da prática da justiça é falsa. Jesus não despreza a profecia e os profetas, mas garante que é possível ser falso profeta se a profecia não for acompanhada pela prática da justiça do Reino. Através de milagres e expulsão de demônios, Jesus se revela o Messias, através do qual a justiça do Reino produz sinais concretos. Mas milagres e expulsão de demônios não serão por si só garantia de salvação. Como é possível profetizar, fazer milagres e expulsar demônios invocando o Senhor e ainda ser considerado malfeitor? Segundo Jesus, faltou o essencial: a prática da vontade do Pai, a justiça.
A metáfora “construir sobre a rocha” fecha todo o Sermão da Montanha, e denota segurança. Quem ouve a palavra e não põe em prática é pessoa sem juízo. Mas quem ouve e põe em prática, é pessoa prudente. A um cabe a benção, a outro a maldição, como vimos na primeira leitura. As chuvas, as enxurradas e ventos representam as dificuldades da vida. Diante delas, aquele que não cultiva a fé, certamente não se mantém de pé. Por fim, Jesus nos deixa claro aquilo que já sabemos: o inferno está cheio de boas intenções, ou de boas palavras. E no céu só há espaço para quem pratica o bem.

Na segunda leitura (Rm 3,21-25a.28), Paulo nos mostra que a salvação vem pela fé e não pela Lei. A justiça de Deus se fundamenta em Sua infinita misericórdia, em seu imenso amor, que perdoa a todos, independente de seus méritos. Pagãos e judeus são merecedores do castigo divino, devido aos seus pecados. No entanto, em vez de ira e condenação, Deus aplicou anistia ou perdão universal. É importante ressaltar que essa atitude divina é pura graça, mediante a qual Deus nos convida a crer em Jesus Cristo. A fé em Jesus é caminho de salvação, e a ela todos são chamados.
Quando tantos acreditavam no cumprimento pleno da Lei como caminho de salvação, Jesus revela a novidade escandalosa da salvação mediante a fé. A Lei, que tantas vezes absolutizamos, é relativizada por Deus em vista da salvação. Por amor, Ele abandona a Lei. Para os judeus, a justiça divina se manifestaria na premiação dos bons e no castigo dos maus. Essa visão de Deus é arrasada por Paulo e a justificação é obra exclusiva da misericórdia divina. Pelas próprias obras ninguém se salva, mas unicamente pela graça de Deus, que se derrama sobre todos. Basta acolhê-la, mediante a fé em Jesus. Uma fé que, certamente, vem acompanhada pela prática da vontade de Deus, isto é, de obras boas.

(j.z)

terça-feira, 27 de maio de 2008

Conviver com as dificuldades

Constantemente aparecem publicações e escritos com intuito de orientar as pessoas para uma convivência mais pacífica diante dos conflitos decorrentes das relações humanas. Pais e filhos, esposos, irmãos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho, amigos. As maiores dificuldades, e a origem dos conflitos mais profundos, estão nas relações pessoais com aqueles que nos cercam. E ninguém está livre disso, visto que nossa condição humana é marcada pela fragilidade. Não há o amigo perfeito que idealizamos, o esposo-príncipe, a esposa dos sonhos, os filhos anjinhos. Somos pessoas humanas, mais ou menos marcadas pelas circunstâncias que nos envolvem, que geralmente condicionam nosso ser e agir.

A família, como “ninho” onde se fazem as primeiras experiências relacionais, de convivência, é o lugar privilegiado para se marcar positiva ou negativamente nossa personalidade e nossa habilidade para o convívio com os outros. No entanto, hoje a “instituição” família passa por uma marcante crise, o que a impede de influenciar positivamente na edificação de filhos mais abertos às relações. Discordo de certos “manuais” oportunistas que se publicam, muitas vezes em ambientes cristãos, sobre as relações. Dizer, por exemplo, que “quanto piores as pessoas com quem você convive, melhor pra você” é uma piada. Todos sabemos que é melhor e muito mais realizador conviver com pessoas mais abertas, mais amadurecidas, mais amáveis, mais solidárias, pacientes, e não com pessoas difíceis e cheias de problemas. A verdade é que dificilmente encontramos pessoas assim.

Certamente o desafio é uma oportunidade para o crescimento, para o amadurecimento. No entanto, muita dor, depressão, amargura, tristeza e decepção, decorrentes de relações difíceis, melhor seria se não existissem. Se por um lado sabemos que nunca teremos as melhores relações, pois nunca eliminaremos todos os conflitos, por outro lado é lógico que as relações que estabelecemos precisam nos realizar mais do que nos fazer sofrer.

O desafio humano, especificamente cristão, está em olhar para as relações humanas como uma oportunidade para se tentar viver o mais coerentemente possível o espírito fraterno, proposto no Evangelho. O respeito, o perdão, a paciência, a solidariedade, o desapego, a partilha, são expressões concretas do amor. Nosso modo de agir é expressão de nosso ser. E a mensagem cristã, quando compreendida e acolhida, edifica nosso ser e orienta nosso agir. Quando Jesus nos fala da necessidade de amar-nos uns aos outros, de rezar pelos que nos perseguem, de oferecer a “outra face”, de ser bom mesmo quando parece inconveniente, é porque sabe que sem cultivar a humildade, evitando a prática do mal, é impossível edificar relações plenamente humanas.

Todo aquele que pratica o mal se torna “inimigo”. E amá-lo, embora pareça difícil, começa por se distinguir dele, isto é, se ele pratica o mal, devo eu me esforçar para praticar o bem. Tal prática produz dois efeitos realizadores: por um lado me dá a paz necessária para não julgá-lo, mas entendê-lo e perdoá-lo; e por outro lado minha prática é um desafio para que ele mude seu jeito de ser e tenha práticas boas. Oferecer a outra face é devolver com o bem qualquer mal que sofremos. Rezar pelos que nos perseguem não é pedir que morram, mas que se convertam e deixem de perseguir. Amar é sempre uma proposta, e não uma retribuição. Não posso esperar ser amado para amar. Os fariseus fazem isso, e muitos pseudo-cristãos de hoje também.

A novidade cristã está em assumir o amor como um dom, um comportamento capaz de transformar relações conflituosas, harmonizando-as e tornando-as verdadeiramente humanas. Mais do que nunca, o mundo precisa hoje de cristãos que acreditem no amor e estejam dispostos a cultivá-lo em seu coração, para que em sua vida as adversidades se tornem experiências edificantes e humanizadoras.
(j.z)