terça-feira, 27 de maio de 2008

Conviver com as dificuldades

Constantemente aparecem publicações e escritos com intuito de orientar as pessoas para uma convivência mais pacífica diante dos conflitos decorrentes das relações humanas. Pais e filhos, esposos, irmãos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho, amigos. As maiores dificuldades, e a origem dos conflitos mais profundos, estão nas relações pessoais com aqueles que nos cercam. E ninguém está livre disso, visto que nossa condição humana é marcada pela fragilidade. Não há o amigo perfeito que idealizamos, o esposo-príncipe, a esposa dos sonhos, os filhos anjinhos. Somos pessoas humanas, mais ou menos marcadas pelas circunstâncias que nos envolvem, que geralmente condicionam nosso ser e agir.

A família, como “ninho” onde se fazem as primeiras experiências relacionais, de convivência, é o lugar privilegiado para se marcar positiva ou negativamente nossa personalidade e nossa habilidade para o convívio com os outros. No entanto, hoje a “instituição” família passa por uma marcante crise, o que a impede de influenciar positivamente na edificação de filhos mais abertos às relações. Discordo de certos “manuais” oportunistas que se publicam, muitas vezes em ambientes cristãos, sobre as relações. Dizer, por exemplo, que “quanto piores as pessoas com quem você convive, melhor pra você” é uma piada. Todos sabemos que é melhor e muito mais realizador conviver com pessoas mais abertas, mais amadurecidas, mais amáveis, mais solidárias, pacientes, e não com pessoas difíceis e cheias de problemas. A verdade é que dificilmente encontramos pessoas assim.

Certamente o desafio é uma oportunidade para o crescimento, para o amadurecimento. No entanto, muita dor, depressão, amargura, tristeza e decepção, decorrentes de relações difíceis, melhor seria se não existissem. Se por um lado sabemos que nunca teremos as melhores relações, pois nunca eliminaremos todos os conflitos, por outro lado é lógico que as relações que estabelecemos precisam nos realizar mais do que nos fazer sofrer.

O desafio humano, especificamente cristão, está em olhar para as relações humanas como uma oportunidade para se tentar viver o mais coerentemente possível o espírito fraterno, proposto no Evangelho. O respeito, o perdão, a paciência, a solidariedade, o desapego, a partilha, são expressões concretas do amor. Nosso modo de agir é expressão de nosso ser. E a mensagem cristã, quando compreendida e acolhida, edifica nosso ser e orienta nosso agir. Quando Jesus nos fala da necessidade de amar-nos uns aos outros, de rezar pelos que nos perseguem, de oferecer a “outra face”, de ser bom mesmo quando parece inconveniente, é porque sabe que sem cultivar a humildade, evitando a prática do mal, é impossível edificar relações plenamente humanas.

Todo aquele que pratica o mal se torna “inimigo”. E amá-lo, embora pareça difícil, começa por se distinguir dele, isto é, se ele pratica o mal, devo eu me esforçar para praticar o bem. Tal prática produz dois efeitos realizadores: por um lado me dá a paz necessária para não julgá-lo, mas entendê-lo e perdoá-lo; e por outro lado minha prática é um desafio para que ele mude seu jeito de ser e tenha práticas boas. Oferecer a outra face é devolver com o bem qualquer mal que sofremos. Rezar pelos que nos perseguem não é pedir que morram, mas que se convertam e deixem de perseguir. Amar é sempre uma proposta, e não uma retribuição. Não posso esperar ser amado para amar. Os fariseus fazem isso, e muitos pseudo-cristãos de hoje também.

A novidade cristã está em assumir o amor como um dom, um comportamento capaz de transformar relações conflituosas, harmonizando-as e tornando-as verdadeiramente humanas. Mais do que nunca, o mundo precisa hoje de cristãos que acreditem no amor e estejam dispostos a cultivá-lo em seu coração, para que em sua vida as adversidades se tornem experiências edificantes e humanizadoras.
(j.z)

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