domingo, 15 de junho de 2008

Liturgia 15 de junho – 11º Domingo do Tempo Comum


I leitura (Ex 19,2-6a): Um povo comprometido com seu Deus

O deserto é a etapa intermediária entre o Egito (escravidão) e a terra prometida (liberdade). É onde nasce a aliança entre Deus e seu povo. É selado um compromisso mutuo. A aliança tem como pano de fundo a memória das ações de Deus, que resgata o povo das garras da opressão e o atrai para si, para que seja propriedade sua. Por parte do povo, cabe escutar a voz de Deus e ser fiel à aliança. Assim a aliança se concretiza. Após um olhar retrospectivo, Deus faz seu povo olhar para frente, e dedicar-se para ser um povo santo, consagrado a Deus, isto é, comprometido com o projeto de Deus (revelado posteriormente por Jesus).


Evangelho (Mt 9,36-10,8): A missão do povo de Deus

Inicialmente Jesus constata que o povo carece de lideranças e está abandonado, à mercê da ganância dos poderosos. Jesus tem compaixão, um sentimento que vem sempre acompanhado de gestos concretos. Para isso chama colaboradores, que vão atuar junto ao povo, libertando, fazendo o Reino acontecer. Aí nasce a missão dos discípulos de Jesus (nossa também), chamados a praticar a justiça, transformando as situações de dor e sofrimento em sinais de vida nova. Curar, purificar, ressuscitar, expulsar demônios, são atitudes que revelam a libertação de todo tipo de alienação. A missão dos discípulos de Jesus é, pois, continuação da prática libertadora de Jesus.

O nome dos doze apóstolos não representa um grupo fechado, mas recorda as 12 tribos de Israel e é símbolo de totalidade. Significa, assim, que todos são chamados e enviados à missão. Aos que aceitam e desejam seguir Jesus é necessário mais do que boa vontade. É fundamental acolher e viver a novidade do Reino que se vai anunciar. A missão não discrimina, mas tem prioridades, as ovelhas perdidas, isto é, aqueles que se encontram em situação de escravidão e sofrimento.

Anunciar a proximidade do Reino é mostrá-lo presente em Jesus, que realiza plenamente a vontade de Deus. Sua prática já revela a presença do novo, onde se desfaz toda maldade e se realiza todo amor. Esse Reino se concretiza em relações de fraternidade, justiça e gratuidade.


II Leitura (Rm 5,6-11): Jesus deu sua vida para nos salvar

Jesus dá sua vida para nos salvar. Paulo reconhece nessa atitude a expressão maior do amor de Deus por nós. Dessa forma, a salvação é graça plena de Deus, e não merecimento nosso. Basta-nos crer em Jesus, aceitando e comprometendo-se com seu projeto de vida. A certeza do amor de Deus nos anima na esperança e nos encoraja no compromisso com um mundo mais justo e solidário, como é da vontade de Deus. Em Jesus, Deus nos dá o exemplo supremo do amor. O cristão é, assim, chamado a viver relações de fraternidade e gratuidade, continuando a missão iniciada por Jesus.
(j.z)

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Sacramento da Confissão, um passo para a conversão!

Há uma harmonia muito importante entre os sacramentos, e ao mesmo tempo há um valor particular imprescindível em cada um deles. Não se pode submeter um sacramento ao outro, visto que cada um tem uma finalidade especifica e marca um momento único em nossa relação com Deus. Em todos, no entanto, é necessária a fé como condição básica. Gosto de falar dos sacramentos como encontro com Deus, onde há alguém que busca (nós) e Alguém (Deus) que nos inunda com Sua graça. Vamos conversar um pouco sobre o Sacramento da Confissão.

É perceptível como, em nosso tempo, o Sacramento da Confissão está relativizado. Por duas razões: por um lado é clara a falta de consciência de pecado em nós, o que nos faz não buscar a confissão; por outro lado há uma busca desenfreada pela confissão, sem critérios. Ambas situações são problemáticas e preocupantes, e refletem uma fé um tanto fragilizada. Quando penso não ser necessário confessar meus pecados ao sacerdote para ser perdoado por Deus talvez me falte um conhecimento do que realmente implica o ato de expressar meus pecados a quem foi instituído para ouvi-lo e dizer-me palavras de conforto. Ou talvez acredite nem ter necessidade de tão nobres palavras, tamanha a insignificância dos pecados.

Muitas vezes, também, supervalorizamos a confissão dos pecados, caindo em um outro extremo: qualquer coisa é pecado e motivo suficiente para buscar a confissão individual. Mais preocupante ainda quando quase semanalmente buscamos a confissão, para confessar os mesmos pecados. A confissão, assim, não produz mudança. Perde, assim, seu sentido fundamental, a conversão. Condição para ser perdoado por Deus é o arrependimento. Mas são tantos os que sequer demonstram arrependimento no ato da confissão!

Uma verdadeira confissão precisa respeitar alguns critérios, sob o risco de não passar de um ritualismo vazio, à moda das práticas farisaicas tão criticadas por Jesus. O que realmente me perturba e me impele a buscar esse sacramento? Consciente disso, devo fazer meu exame de consciência, que me faz reconhecer onde eu errei e o que eu preciso mudar, tendo sempre presente que o pecado é um ato de maldade, praticado consciente e livremente contra o próximo ou contra si mesmo, e que, por isso, ofende a Deus. Um bom exame de consciência já é meio caminho dado, basta agora a humildade para confessar meus pecados e acolher as orientações recebidas, que certamente me ajudarão a buscar a conversão, isto é, a mudança que pretendo.

A confissão não existe para, simplesmente, me dar o ‘direito’ de comungar dignamente. Embora minha participação na Eucaristia implique um profundo desejo de conversão, a confissão não é um meio para a comunhão, mas um passo para a conversão. E esta só acontece após o encontro com Jesus. Jesus não chama para si os ‘dignos’, mas os pecadores desejosos de conversão. Na confissão, assim como nos demais sacramentos, o compromisso é o mais importante. As palavras vai em paz e não peques mais supõem uma luta para superar todo pecado, buscando viver sintonizado com os ensinamentos de Jesus. O perdão, como expressão da misericórdia de Deus, me compromete a também perdoar e a amar mais. Ora, com mais amor em minha vida, menos pecados cometerei, pois só existe pecado onde se rejeitou o amor.

Sejamos, pois, capazes de dar o devido valor a esse tão precioso Sacramento da Confissão, buscando-o como nos orienta a Igreja, pelo menos uma vez por ano, ou em caso de necessidade urgente. Sabendo sempre distinguir confissão e aconselhamento espiritual. E que Deus nos dê sempre a força necessária para empreender uma autêntica caminhada de conversão, reconhecendo aí o caminho da salvação.
(j.z)

terça-feira, 3 de junho de 2008

O vazio de sentido e a busca por re-significação!*

No momento atual da sociedade, o mercado começa a tomar corpo violentamente, perpassando todas as dimensões da pessoa humana. Ele perverte, assim, todas as possibilidades que haviam no ser humano, criadas para que ele pudesse verificar o vazio que está constantemente presente em sua raiz. O ser humano é constituído de um vazio que jamais será preenchido plenamente. No entanto, o mercado vende um ‘produto’ que parece exato para superar esse vazio. O ser humano, na ânsia por uma realização e superação desse vazio, se mobiliza violentamente atrás desse produto, muito bem vendido pelo discurso, pela propaganda, pela idealização da mídia. As possibilidades humanas, esquecidas atualmente, nunca prometeram um preenchimento total do vazio humano. Propunham, sim, dar um significado a esse vazio.

No âmbito religioso, com a teologia da prosperidade, também há uma tentativa de se preencher todo vazio humano. Pretende-se, assim, retirar do ser humano algo importante dele, sua angústia. Quando a psicanálise coloca que há no ser humano um vazio, um desejo, uma busca por um objeto para re-significar seu viver, mostra também que não há jeito de ser vencido, preenchido, completado, mas re-significado. Fica-nos uma questão importante para a sociedade de hoje. O que fazer com a vida religiosa, o que fazer com as instâncias de educação, com os ideais políticos, de democracia, de participação, de direitos humanos? As dimensões ética e religiosa têm cada vez menos espaço hoje. A vida religiosa tem sentido? O político, o filosófico, tem sentido? A verdade é que a vida religiosa, que foi construída sobre pilares hoje esquecidos, está agonizando. Das Congregações que já foram criadas, 70% já não existem mais. Isso nos diz alguma coisa? Talvez nos aponta para a urgente necessidade de reinventar constantemente o ‘ser religioso’.

E a família, ou a concepção tradicional de família, ainda tem sentido hoje? Como ‘afrontar’ os apelos de um mercado que propõe piamente um ‘preenchimento’ para todo vazio humano? Como a Vida Religiosa pode ainda ser uma opção dos jovens diante de tantas propagandas desenfreadas de promessa de ‘felicidade’ e ‘realização plena’? O ‘produto exato’, milagroso, que promete acabar com o vazio humano, gera um vazio maior ainda: a depressão, a decepção e o sofrimento. Desejo é algo que se procura a vida inteira, é uma busca constante. No entanto, o mercado pós-moderno oferece um ‘gozo’, uma satisfação completa, uma realização, muito mais do que apenas uma promessa de satisfação. Esse ‘gozo completo’, porém, é impossível. Então, a decepção e o sofrimento são conseqüências naturais. Essas ‘possibilidades’ de se viver plenamente um gozo se apresentam freqüentemente, até mesmo nos ambientes de trabalho.

Cabe perguntar-se: vivemos em busca de um gozo ou de um desejo? A busca por uma realização total, plena, será sempre em vão. Ao buscar desenfreadamente um ‘gozo’, o ser humano se dá conta que perde seu tempo, o que o joga em uma situação de sofrimento e decepção. Um sujeito frustrado, decepcionado, pensa sempre que ‘perdeu seu tempo’, visto que anseia sempre por uma satisfação total de suas buscas, o que sabemos ser impossível ao ser humano. Isso ocorre também no casamento. Enquanto o sujeito não se dá conta que a noite de núpcias não é o casamento em si, sua decepção será certa. Dar-se-á conta de que terá de viver um calvário pelo resto da vida. A angústia, própria do ser humano, não pode ser algo que deprime, mas uma força que o faça buscar continuamente, ciente de que não há saída, mas há caminhos a serem trilhados. A busca do narcisista é um sacrifício inútil por buscar em si mesmo aquilo que jamais encontrará: a realização, o ‘gozo pleno’, completo. Todos somos chamados a viver na busca de caminhos voltados para a realidade transcendente, sabendo sempre que nela não encontramos a satisfação plena, o ‘gozo total’, o preenchimento completo do vazio existencial, mas poderemos encontrar uma re-significação, um sentido para as buscas, para a caminhada, para a própria vida.
(j.z)

* Síntese a partir de uma exposição do prof. Willian César – PUC-BH

domingo, 1 de junho de 2008

Liturgia 01.06.08

Bênção ou maldição, prudência ou insensatez

A passagem da primeira leitura (Dt 11,18.26-28.32) é parte do discurso de Moisés, que apresenta o “fundamento da Aliança” e serve de introdução-preparação para o “Código deuteronômico”, o projeto de nova sociedade, que se pretende instaurar na “terra prometida”. Colocar no coração (na consciência) e na alma (o mais profundo do ser) as palavras de Deus é permitir que elas iluminem nossos projetos (testa, olhos) e a execução deles (mãos). Os judeus fundamentalistas tomaram isso ao pé da letra, amarrando trechos da Escritura nas mãos, o que Jesus critica severamente como exibicionismo estéril.
Caberá ao povo zelar pela terra prometida, que Deus dá como cumprimento da promessa feita a Abraão. Mas para isso, o povo precisa acolher e viver os ensinamentos de Deus. O discurso fala de bênçãos e maldições. Bênção é vida, posse da terra, fecundidade do solo, bem-estar. Maldição é o oposto, perda da terra e suas conseqüências (isso foi o que aconteceu). A bênção é resultado da fidelidade aos mandamentos; e a maldição decorre da desobediência a Javé e adesão aos ídolos. Movido por seu grande amor, Deus nos dá liberdade para discernir e agir buscando a bênção ou a maldição. Certamente Ele deseja que sejamos sensatos e optemos pelo caminho da vida (benção), nos alertando sempre para os perigos de uma escolha errada.

No Evangelho (Mt 7,21-27) percebemos que, com Jesus, chegou o Reino, isto é, a justiça que liberta. Quando o Evangelho de Mateus foi escrito (depois do ano 80), havia desleixo e decepção nas comunidades cristãs, gerado pela demora da segunda vinda do Senhor. Sem falar em data, a passagem recorda que haverá um dia de prestação de contas. O texto tem sabor escatológico, comparado ao “juízo final” ou “julgamento das nações” (Mt 25,31). Jesus deixa claro que de nada adianta reconhecê-lo e chamá-lo de “Senhor” se essa profissão de fé não for acompanhada e fecundada pelo cumprimento da vontade do Pai. Dizer “Senhor, Senhor” é talvez a mais sólida profissão de fé bíblica. Mas não bastam palavras solenes e profissões de fé profundas. O que definitivamente nos torna participantes do Reino é o cumprimento da vontade do Pai. Mas em que consiste essa vontade? Segundo a oração do pai-nosso, a vontade de Deus é a implantação do Reino que, para Mateus, se concretiza na prática da justiça.
Aquilo que Paulo já criticara nos Coríntios, o dom da profecia, Mateus também questiona: a profecia desligada da prática da justiça é falsa. Jesus não despreza a profecia e os profetas, mas garante que é possível ser falso profeta se a profecia não for acompanhada pela prática da justiça do Reino. Através de milagres e expulsão de demônios, Jesus se revela o Messias, através do qual a justiça do Reino produz sinais concretos. Mas milagres e expulsão de demônios não serão por si só garantia de salvação. Como é possível profetizar, fazer milagres e expulsar demônios invocando o Senhor e ainda ser considerado malfeitor? Segundo Jesus, faltou o essencial: a prática da vontade do Pai, a justiça.
A metáfora “construir sobre a rocha” fecha todo o Sermão da Montanha, e denota segurança. Quem ouve a palavra e não põe em prática é pessoa sem juízo. Mas quem ouve e põe em prática, é pessoa prudente. A um cabe a benção, a outro a maldição, como vimos na primeira leitura. As chuvas, as enxurradas e ventos representam as dificuldades da vida. Diante delas, aquele que não cultiva a fé, certamente não se mantém de pé. Por fim, Jesus nos deixa claro aquilo que já sabemos: o inferno está cheio de boas intenções, ou de boas palavras. E no céu só há espaço para quem pratica o bem.

Na segunda leitura (Rm 3,21-25a.28), Paulo nos mostra que a salvação vem pela fé e não pela Lei. A justiça de Deus se fundamenta em Sua infinita misericórdia, em seu imenso amor, que perdoa a todos, independente de seus méritos. Pagãos e judeus são merecedores do castigo divino, devido aos seus pecados. No entanto, em vez de ira e condenação, Deus aplicou anistia ou perdão universal. É importante ressaltar que essa atitude divina é pura graça, mediante a qual Deus nos convida a crer em Jesus Cristo. A fé em Jesus é caminho de salvação, e a ela todos são chamados.
Quando tantos acreditavam no cumprimento pleno da Lei como caminho de salvação, Jesus revela a novidade escandalosa da salvação mediante a fé. A Lei, que tantas vezes absolutizamos, é relativizada por Deus em vista da salvação. Por amor, Ele abandona a Lei. Para os judeus, a justiça divina se manifestaria na premiação dos bons e no castigo dos maus. Essa visão de Deus é arrasada por Paulo e a justificação é obra exclusiva da misericórdia divina. Pelas próprias obras ninguém se salva, mas unicamente pela graça de Deus, que se derrama sobre todos. Basta acolhê-la, mediante a fé em Jesus. Uma fé que, certamente, vem acompanhada pela prática da vontade de Deus, isto é, de obras boas.

(j.z)