domingo, 1 de junho de 2008

Liturgia 01.06.08

Bênção ou maldição, prudência ou insensatez

A passagem da primeira leitura (Dt 11,18.26-28.32) é parte do discurso de Moisés, que apresenta o “fundamento da Aliança” e serve de introdução-preparação para o “Código deuteronômico”, o projeto de nova sociedade, que se pretende instaurar na “terra prometida”. Colocar no coração (na consciência) e na alma (o mais profundo do ser) as palavras de Deus é permitir que elas iluminem nossos projetos (testa, olhos) e a execução deles (mãos). Os judeus fundamentalistas tomaram isso ao pé da letra, amarrando trechos da Escritura nas mãos, o que Jesus critica severamente como exibicionismo estéril.
Caberá ao povo zelar pela terra prometida, que Deus dá como cumprimento da promessa feita a Abraão. Mas para isso, o povo precisa acolher e viver os ensinamentos de Deus. O discurso fala de bênçãos e maldições. Bênção é vida, posse da terra, fecundidade do solo, bem-estar. Maldição é o oposto, perda da terra e suas conseqüências (isso foi o que aconteceu). A bênção é resultado da fidelidade aos mandamentos; e a maldição decorre da desobediência a Javé e adesão aos ídolos. Movido por seu grande amor, Deus nos dá liberdade para discernir e agir buscando a bênção ou a maldição. Certamente Ele deseja que sejamos sensatos e optemos pelo caminho da vida (benção), nos alertando sempre para os perigos de uma escolha errada.

No Evangelho (Mt 7,21-27) percebemos que, com Jesus, chegou o Reino, isto é, a justiça que liberta. Quando o Evangelho de Mateus foi escrito (depois do ano 80), havia desleixo e decepção nas comunidades cristãs, gerado pela demora da segunda vinda do Senhor. Sem falar em data, a passagem recorda que haverá um dia de prestação de contas. O texto tem sabor escatológico, comparado ao “juízo final” ou “julgamento das nações” (Mt 25,31). Jesus deixa claro que de nada adianta reconhecê-lo e chamá-lo de “Senhor” se essa profissão de fé não for acompanhada e fecundada pelo cumprimento da vontade do Pai. Dizer “Senhor, Senhor” é talvez a mais sólida profissão de fé bíblica. Mas não bastam palavras solenes e profissões de fé profundas. O que definitivamente nos torna participantes do Reino é o cumprimento da vontade do Pai. Mas em que consiste essa vontade? Segundo a oração do pai-nosso, a vontade de Deus é a implantação do Reino que, para Mateus, se concretiza na prática da justiça.
Aquilo que Paulo já criticara nos Coríntios, o dom da profecia, Mateus também questiona: a profecia desligada da prática da justiça é falsa. Jesus não despreza a profecia e os profetas, mas garante que é possível ser falso profeta se a profecia não for acompanhada pela prática da justiça do Reino. Através de milagres e expulsão de demônios, Jesus se revela o Messias, através do qual a justiça do Reino produz sinais concretos. Mas milagres e expulsão de demônios não serão por si só garantia de salvação. Como é possível profetizar, fazer milagres e expulsar demônios invocando o Senhor e ainda ser considerado malfeitor? Segundo Jesus, faltou o essencial: a prática da vontade do Pai, a justiça.
A metáfora “construir sobre a rocha” fecha todo o Sermão da Montanha, e denota segurança. Quem ouve a palavra e não põe em prática é pessoa sem juízo. Mas quem ouve e põe em prática, é pessoa prudente. A um cabe a benção, a outro a maldição, como vimos na primeira leitura. As chuvas, as enxurradas e ventos representam as dificuldades da vida. Diante delas, aquele que não cultiva a fé, certamente não se mantém de pé. Por fim, Jesus nos deixa claro aquilo que já sabemos: o inferno está cheio de boas intenções, ou de boas palavras. E no céu só há espaço para quem pratica o bem.

Na segunda leitura (Rm 3,21-25a.28), Paulo nos mostra que a salvação vem pela fé e não pela Lei. A justiça de Deus se fundamenta em Sua infinita misericórdia, em seu imenso amor, que perdoa a todos, independente de seus méritos. Pagãos e judeus são merecedores do castigo divino, devido aos seus pecados. No entanto, em vez de ira e condenação, Deus aplicou anistia ou perdão universal. É importante ressaltar que essa atitude divina é pura graça, mediante a qual Deus nos convida a crer em Jesus Cristo. A fé em Jesus é caminho de salvação, e a ela todos são chamados.
Quando tantos acreditavam no cumprimento pleno da Lei como caminho de salvação, Jesus revela a novidade escandalosa da salvação mediante a fé. A Lei, que tantas vezes absolutizamos, é relativizada por Deus em vista da salvação. Por amor, Ele abandona a Lei. Para os judeus, a justiça divina se manifestaria na premiação dos bons e no castigo dos maus. Essa visão de Deus é arrasada por Paulo e a justificação é obra exclusiva da misericórdia divina. Pelas próprias obras ninguém se salva, mas unicamente pela graça de Deus, que se derrama sobre todos. Basta acolhê-la, mediante a fé em Jesus. Uma fé que, certamente, vem acompanhada pela prática da vontade de Deus, isto é, de obras boas.

(j.z)

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